#2 Como repetir corretamente as preposições
O artigo de hoje pretende ser um aprofundamento do anterior, que tratava do paralelismo. Um pouco árido, talvez, mas extremamente útil para garantir a precisão do que você quer comunicar ao seu leitor.
Hoje damos a palavra ao nosso mestre Napoleão Mendes de Almeida [1], que em 8 dicas nos ensina como repetir as preposições numa frase, garantindo que evitemos toda e qualquer ambiguidade. Novamente, a atenção deve recair nos abundantes exemplos dados, que dizem muito mais do que todas as explicações.

1) Vários nomes, mas um só regime*:
Suponhamos uma luta entre um indivíduo, João, e dois outros, Pedro e Paulo. Diremos: “João lutou contra Pedro e Paulo” ou: “João lutou contra Pedro e contra Paulo”?
A segunda construção tem significado diferente da primeira, pois denota duas lutas separadas: João lutou primeiro contra um, depois contra outro. Se a luta foi uma só, a preposição não se repete: “João lutou contra Pedro e Paulo”.
Perigo de ambiguidade como esse poderá existir em outras frases semelhantes: “Aos poetas e pintores (a pessoas a um tempo poetas e pintores), “Aos poetas e aos pintores” (aos que são poetas e aos que são pintores).
Não cabe, em tais casos, verificar se as palavras, regidas pela preposição, são ou não antônimas; importa, isto sim, observar se elas constituem um só regime conjunto, contemporâneo, ou, ao contrário, regimes diferentes, isolados. Quando se diz: “Viaja por terra e por mar”, diz-se bem, e não seria possível de outra forma dizer; os elementos não constituem complemento conjunto de viajar; a repetição da preposição impõe-se. Quando — considerando-se o caso contrário — diz alguém: “Destruir a ferro e fogo”, procede corretamente em não repetindo a preposição, uma vez que as palavras ferro e fogo indicam elementos contemporâneos de destruição.
“A fita do Gordo e o Magro” — “Um grupo de cinco rapazes e duas moças” — constituem outros exemplos de regime comum, uno, da preposição. Outros exemplos em que a preposição rege vários nomes que constituem um só regime:
Durante o mês passado e parte do presente;
Homem de cabelos brancos e bigode grisalho;
Analogia de forma e significação;
Campo juncado de mortos e feridos;
Ante a violência do choque e a desordem das vanguardas;
Casa de pau e barro;
Comida com sal e pimenta;
Secretaria de Educação e Saúde Pública;
Instituto de Aposentadoria e Pensões;
Tecido de algodão e lã;
Flexão verbal de modo, tempo, pessoa e número;
Viver a pão e água;
As letras dividem-se em vogais e consoantes;
Os metaplasmos podem processar-se por adição, subtração e substituição;
Dividem-se em interjeições propriamente ditas e locuções interjetivas.
Não há necessidade de repetir a preposição: o regime é um só.
Se as palavras que vêm após a preposição não constituem regime uno, contemporâneo, a repetição se impõe:
Nomes derivados de substantivos e de verbos;
Vivem na cidade e no campo;
Ostenta seu poder no céu, no ar, no mar e na terra;
Orgulho da ciência e da indústria;
Honra para mim e para todos;
Flexão subordinada às regras de Soares Barbosa e à de Frederico Diez.
2) Palavras que têm mais ou menos o mesmo sentido:
Se os complementos são palavras que têm mais ou menos o mesmo sentido, não se deve repetir a preposição:
Viver na moleza e ociosidade;
Encantou-nos com sua bondade e doçura;
Deve a vida à clemência e magnanimidade do vencedor.
Razão ainda maior há para não repetir a preposição quando o segundo elemento é explicativo ou equivalente do primeiro:
Corresponde ao duplo L ou L molhado;
Compostos de duas ou mais palavras;
Seguido de e ou i;
Indica um conjunto de seres ou objetos;
Conhecem-se pelo sufixo ou terminação.
Em construções como essas, não há verdadeiramente dois regimes, senão um só.
3) Regimes das preposições a e por, seguidas de artigo definido:
Deve-se repetir a preposição, quando repetido vem o artigo.
Opor-se aos projetos e aos desígnios de alguém (jamais "aos projetos e os desígnios");
Caracteriza-se pelo talento e pelos relevantes méritos (jamais "pelo talento e os relevantes méritos");
Flagelado pela peste e pelos estragos;
Sócrates distinguiu-se pela modéstia e pela sabedoria;
Choravam pelo pai e pela mãe;
Marasmado pelo álcool e pela nicotina;
Morrer pela lei, pelo rei, pela pátria;
Escarnecido pelo monarca e pelos ministros.
Se não se repetir o artigo, poder-se-á não repetir a preposição, tendo-se sempre em mente as normas 1 e 2.
Opor-se aos projetos e desígnios de alguém;
Flagelado pela peste e estragos.
O mesmo poderá ser dito com relação a outras preposições:
Nas formas rizotônicas e derivadas;
Observações sobre a pronúncia e grafia das palavras (ou "sobre a pronúncia e sobre a grafia; jamais "sobre a pronúncia e a grafia").
É galicismo* ou castelhanismo* [ou italianismo] pôr antes do segundo nome o artigo sem a preposição. Não devemos imitar exemplos como estes:
O Dante é imortal, mas o seu poema é inspirado pelo misticismo e a vingança;
Estas palavras quase severas do mancebo foram seguidas de um longo silêncio, apenas interrompido pelo tinir dos pratos e o rumor dos dentes;
Mas as argolas do caixão foram seguradas pelos cinco familiares e o Benjamim.
4) Regimes antecedidos de possessivos:
Mutatis mutandis*, este caso é igual ao anterior, ou seja, repete-se apenas a preposição quando repetido vem o possessivo:
Disponha de minha casa e de minha bolsa;
Com meu pai e com minha mãe;
Dê o resto ao meu empregado e ao meu guia;
Com saudades do seu vinho e dos seus charutos.
Poder-se-á não repetir o possessivo — e então nem a preposição virá repetida — quando aplicáveis as normas 1 e 2: "Segundo suas lucubrações e queixumes".
5) Regime seguido de aposto:
Quando não se faz necessária nem para ênfase nem para clareza, não se repete a preposição antes do aposto:
Nascido numa bela cidade, Campinas;
Proveniente da mais bela das capitais, Rio de Janeiro;
Chegaram ao extremo do que mais prezavam, as próprias vidas;
A palavra teoria é originária de um único étimo, o grego theoria.
6) Regimes dispostos em grupos de dois ou mais elementos:
Pode-se repetir a preposição antes de cada grupo:
Acompanhado de professores e advogados, de físicos e químicos, de médicos e dentistas;
As letras classificam-se em maiúsculas e minúsculas, em vogais e consoantes.
7) Regime seguido de palavra ou locução explanatória:
Repete-se a preposição:
No mês de janeiro, ou melhor, de fevereiro;
A propriedade do advérbio, digo, do adjetivo;
Refiro-me à filha, digo, à sobrinha do mordomo;
Foi com o diretor, quero dizer, com o reitor.
8) Enquadra-se no caso anterior este:
"...causando prejuízos em diversas culturas, sobretudo no café", mas assim não estava no jornal, senão "...causando prejuízos em diversas culturas, sobretudo o café". É distração, é falta de pensar no que escreve não repetir aí a preposição em: "sobretudo prejuízos no café". Café é adjunto adnominal de prejuízos, que por desnecessidade não se repete: causou prejuízo em diversas culturas, sobretudo no café, principalmente no café, especialmente no café.
Glossário:
Regime: O mesmo que complemento.
Galicismo: Palavra ou expressão do francês adotada por outra língua, com ou sem adaptações.
Castelhanismo: Palavra ou expressão do espanhol usada em outra língua; espanholismo.
Mutatis mutandis: Locução latina que significa "fazendo-se as mudanças devidas".
Referências:
[1] Napoleão Mendes de Almeida, Dicionário de questões vernáculas. São Paulo: LCTE, 1994, pp. 486-7.
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